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Ideias para um mundo em movimento

POSSIBILIDADES PARA A MOBILIDADE URBANA EM CURITIBA 

Em "Coração Numeroso", Carlos Drummond de Andrade declarou "a cidade sou eu / sou eu a cidade / meu amor". O poeta não era especialista em urbanismo, mas essas poucas palavras reforçam a ideia pregada por diversos estudiosos: uma cidade saudável faz com que as pessoas se sintam parte dela.  

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E a discussão sobre o consumo da vida urbana passa inevitavelmente pelo tema da mobilidade​. Nesse sentido, Curitiba é uma cidade em constante movimento. A capital paranaense é palco diariamente para 203,9 milhões de passageiros do sistema coletivo, segundo a Urbs e 1,4 milhão de automóveis, segundo o Detran-PR. 

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Ainda dentro da perspectiva da mobilidade na cidade, de acordo com o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), a capital possui 220,8 km de ciclovias.

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Mesmo que para alguns seja considerada exemplo internacional na área do transporte, para outros Curitiba se cristalizou no tempo e já não atende satisfatoriamente a população em aspectos de locomoção. 

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Confira o que falam seis pessoas que pensam mobilidade urbana e quais são as propostas para uma cidade mais eficiente do ponto de vista do deslocamento, para, quem sabe dessa forma, todos poderem se sentir parte da cidade, como o poeta um dia também se sentiu. 

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A CIDADE É FEITA DE CONVITES

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Texto: Mariana Souza

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Gheysa Caroline Prado é professora no curso de Design da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e acredita que a cidade deve ser feita de convites feitos pelo poder público para a população – em especial, aos ciclistas.

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“É preciso pensar em como eu estou convidando as pessoas a utilizarem a minha cidade. Se eu tiver ruas bem asfaltadas, com faixas bem pintadas e uma boa iluminação pública destinada aos veículos motorizados, as pessoas vão se sentir atraídas a usar aquele espaço”, destaca. 

 

As pesquisas de Prado estão na área de mobilidade ativa e o papel do design nesse campo de estudos. Na extensão universitária, Gheysa atua como vice-coordenadora no Programa Ciclovida UFPR, que pensa políticas públicas de mobilidade urbana e sustentabilidade em conjunto com a sociedade civil e o poder público.  

 

O Desafio Intermodal é um dos projetos de extensão vinculados ao programa. Nele, os extensionistas calculam qual meio de transporte é mais eficiente em determinados trajetos de Curitiba durante o horário de pico. Anualmente, um evento organizado pelo projeto sugere aos participantes um trajeto: todos, cada um em seu modal de transporte, saem de um mesmo ponto de partida, simulam uma parada do cotidiano em um ponto intermediário (como uma passada na padaria, na farmácia ou na escola para buscar os filhos) e concluem o percurso no mesmo ponto de chegada.  

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Anualmente o Desafio Intermodal propõe o calculo de qual meio de transporte é mais eficiente em determinados trajetos de Curitiba durante o horário de pico. Créditos: Bruna Durigan.

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O próximo passo é o cálculo do tempo necessário para cada tipo de transporte executar o trajeto, a média de velocidade atingida e os custos envolvidos, como tarifas de estacionamento e combustível, quando necessário, por exemplo. O único ponto não considerado, mas já em estudo para futura implementação, é o custo com manutenção do veículo. Todos os meios de transporte são utilizados na realização do desafio – caminhada, bicicleta, motocicleta, carro e transporte público. 

 

Os trajetos sugeridos variam entre 8 km e 10 km, mas esse número pode mudar de acordo com o modal escolhido. Isso porque a estrutura urbana apresenta limitações para todos os meios de transporte. Na ausência de ciclofaixa, os ciclistas podem caminhar pela calçada conduzindo a bicicleta com as mãos, alternativa impossível de ser escolhida por motociclistas e motoristas de carros ou ônibus que, mesmo quando encontram faixas exclusivas, enfrentam engarrafamentos no horário de saída do trabalho, por exemplo. 

 

“O Desafio Intermodal apresenta para a sociedade como resultado que existem outras formas de se deslocar na cidade, que não só aquelas mais conhecidas, mais aceitas ou consideradas como uma forma mais eficiente. Não é porque eu me sinto mais confortável no meu carro que ele é a melhor opção para deslocamento na cidade”, completa a professora.  

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Para Gheysa, a baixa infraestrutura, a falta de respeito e a não redução de velocidade nas vias são os maiores problemas para os ciclistas curitibanos. Créditos: arquivo pessoal/foto cedida.

 

Curitiba é a capital com mais veículos individuais motorizados do país. Um levantamento do jornal Nexo mostra que a cidade tinha 1,8 habitantes para cada carro em 2019. Número problemático não só para o meio ambiente, mas para toda a organização do trânsito. 

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Gheysa considera que a baixa infraestrutura, a falta de respeito e a não redução de velocidade nas vias são os maiores problemas para os ciclistas curitibanos. Para ela, há priorização de políticas públicas voltadas para transporte motorizado, o que contribui para a inversão de valores no trânsito. “Você cria esse imaginário de que o ciclista é um incômodo naquele espaço, que não é destinado para ele. Então na ausência de ciclovias, ciclofaixas, o ciclista não deveria estar [presente], quando na verdade o Código de Trânsito Brasileiro prevê que na ausência de ciclovias e ciclofaixas a preferência na via é do ciclista”, explica.  

 

A legislação impõe aos motoristas de veículos maiores a responsabilidade pela segurança dos veículos menores. Em abril de 2021 uma alteração no CTB beneficiou quem anda de bicicleta, tornando mais rigorosa a penalidade para más condutas de motoristas. O inciso XIII do artigo 220 do CTB agora prevê infração gravíssima àqueles que deixam de reduzir a velocidade ao ultrapassar ciclistas.

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QUATRO PROPOSTAS DE

Gheysa Caroline Prado

PARA O FUTURO DA MOBILIDADE URBANA EM CURITIBA

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O CIMENTO MAIS FÉRTIL DE CURITIBA​

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Texto: Breno Antunes

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Em 1897, Curitiba foi a primeira cidade do Brasil a usar bicicletas, trazidas por imigrantes alemães, como meio de transporte. Hoje a relação da cidade com esse modal também passa por Fernando Rosenbaum e Patrícia Valverde. O casal é ligado à mobilidade urbana por meio da Bicicletaria Cultural de Curitiba. Localizada no Centro, próximo à Praça Santos Andrade, o local é um respiro para os ciclistas que vivem o cotidiano da capital paranaense. 

 

Fernando é formado em Gravuras pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP). Na universidade, conheceu outros jovens com o impulso de praticar a cidade. Estudante dos movimentos de contracultura, Rosenbaum criou um interesse pela bicicleta e começou a se envolver com ações questionando o poder público desde 2007. 

 

Patrícia é formada em Relações Internacionais pela UniCuritiba, e tem especialização em Educação e História da Arte na Universidade Estadual do Paraná (Unespar). No ramo profissional, Valverde se tornou atriz e produtora cultural, e atuou em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em 2008, se mudou para Curitiba, onde voltou o olhar para o cenário da mobilidade e da cultura da região.

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Fernando Rosenbaum e Patrícia Valverde são os idealizadores da Bicicletaria Cultural, em Curitiba. Créditos: arquivo pessoal/foto cedida.

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A partir do envolvimento dos dois com o meio, o casal percebeu que o número de ciclistas na cidade crescia, mas que não havia nada dizendo que eles eram bem-vindos. Então, Fernando e Patrícia decidiram abrir um espaço no centro da cidade, num importante eixo social. Além de um espaço para estacionar a bicicleta, a Bicicletaria Cultural também funciona como um lugar de reunião, manutenção, reparo, aluguel e cultura, tudo relacionado ao universo desse modal.

 

Para o casal, um dos problemas do atual cenário urbano de Curitiba é a falta de diálogo entre a comunidade e a prefeitura. A visão dos dois sobre o transporte na cidade passa pelo conceito de intermodalidade, com diferentes meios se conectando e conversando entre si, para estabelecer um transporte mais rápido e eficiente.

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A Bicicletaria

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A Bicicletaria Cultural de Curitiba já é mais que um espaço dedicado para esse modal. No ano em que completa uma década de existência, a iniciativa de Fernando Rosenbaum e Patrícia Valverde formou uma comunidade disposta a ajudar em ações colaborativas, em cicloativismo e na comunidade.

 

“Ela é o cimento mais fértil de Curitiba”, brinca Patrícia. “É um bunker que, quando a gente chegou, estava abandonado. Aconteceu um revigoramento através dos braços de cidadania, de consciência, de cultura em relação à cidade e às pessoas”.

 

Inicialmente, a Bicicletaria funcionaria como um local de estacionamento de veículos, o que causou um impacto no centro da cidade. Pessoas começaram a adotar a bicicleta porque tinham um lugar para guardar, enquanto seguiam suas rotas para outros lugares, por exemplo, usando o ônibus. 

 

A iniciativa também opera com um sistema de aluguel de bicicletas. Ela atende quem deseja alugar um veículo para curto prazo, ou para aqueles que querem o empréstimo por meses, em um modelo de bike sharing. O lugar também funciona como uma oficina mecânica, com ferramentas compartilhadas. São oferecidos cursos sobre o tema, e as pessoas podem utilizar as ferramentas e manter suas bicicletas em bom estado.

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Bicicletaria Cultural fica na região central de Curitiba. Créditos: arquivo pessoal/foto cedida.

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Por último, a Bicicletaria também é um espaço para agendas culturais, não só ligadas ao universo do ciclismo. São realizadas produções de artistas regionais, nacionais e até internacionais, que transformam o espaço por meio de apresentações e obras.

 

Como explica Valverde, a produção artística e cultural ajudou a formar o público que frequenta o local. “Começaram a vir muitos professores para a nossa agenda cultural, e esses professores levam alunos, que por sua vez querem fazer projetos e pesquisas. Isso começa a gerar uma personalidade da Bicicletaria fora do campo da ciclomobilidade” afirma.

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Praça de Bolso do Ciclista

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Localizada na Rua São Francisco, em frente à Bicicletaria, a Praça de Bolso do Ciclista era um terreno abandonado e sem utilidade para a comunidade. Em 2014, os ciclistas se organizaram para iniciar um diálogo com a prefeitura para a transformação do lugar.

 

A partir disso, houve uma discussão com um urbanista da cidade. Essa ação resultou na construção da Praça. Ao longo de seis meses, o projeto foi se moldando usando a mão de obra da comunidade e de quem estivesse disposto a cooperar para a revitalização do espaço.

 

A iniciativa também contou com a ajuda do Cicloiguaçu (Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu). Formada em 2011, com o objetivo de criar uma linha de diálogo do poder público com os ciclistas de Curitiba, o Cicloiguaçu é uma organização que anda lado a lado com as ações da Bicicletaria. Atualmente, é coordenada pela Patrícia.

 

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História

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Bicicletaria Cultural foi indicada pelo Governo da Suécia como uma das 15 melhores ideias para habitar os centros urbanos. Créditos: arquivo pessoal/foto cedida.

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A Bicicletaria Cultural nasceu quando Fernando e Patrícia notaram um terreno pouco utilizado no centro da cidade. O casal fez um questionário na internet, perguntando para os ciclistas da cidade estariam dispostos a pagar um valor para estacionar bicicletas na região.

 

Mesmo com a resposta negativa, o projeto teve continuidade. No começo, a ideia era abrigar iniciativas culturais relacionadas à bicicleta, com um espaço mais comunitário.

 

“Nós estávamos trabalhando em algo que sentíamos que precisava existir”, afirma Patrícia. “A Bicicletaria virou uma atualização da cidade. Ela conversa com tubos de ônibus, com pedestres, perto do centro histórico, estudantil, comercial”.

 

Desde então, a Bicicletaria Cultural de Curitiba já recebeu o prêmio da Aliança Empreendedora como 1º lugar em Empreendimento Social do Brasil. Também foi indicada pelo Governo da Suécia como uma das 15 melhores ideias para habitar os centros urbanos, entre outras premiações.

Bicicletaria Cultural
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TRÊS PROPOSTAS DE

Fernando Rosenbaum
e Patrícia Valverde

PARA O FUTURO DA MOBILIDADE URBANA EM CURITIBA

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INOVAÇÕES ESTACIONADAS

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Texto: Bruna Durigan 

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Jorge Brand, conhecido como Goura Nataraj, é escritor, ativista, mestre em filosofia, praticante e professor de ioga. Foi Vereador na Câmara Municipal de Curitiba entre os anos de 2017 e 2018 e atualmente exerce o cargo de Deputado Estadual na Assembleia Legislativa do Paraná.

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Durante seu mandato como prefeito de Curitiba (1971), o urbanista e arquiteto Jaime Lerner executou um modelo de transporte público que foi replicado em diversos lugares do mundo. Foi elaborado um “transporte coletivo revolucionário”, as primeiras ruas apenas para pedestres, ciclovias destinadas ao trabalhador, porém esse trabalho não foi exclusivamente de sua autoria, Lerner se beneficiou do planejamento do urbanista, arquiteto e administrador público Jorge Wilheim. O que atribuímos totalmente ao ex-prefeito já estava no plano diretor de Curitiba entre os anos de 1962 e 1963.

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“Curitiba não avançou depois da gestão de Jaime Lerner, vivemos sob a sombra da sua obra, e existe essa sensação de que não podemos fazer críticas a este modelo de transporte público”, afirma.

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Segundo Goura, o diferencial das cidades que se inspiraram na ideia inicial de Curitiba foi o investimento em outros avanços para o transporte: ruas praticamente exclusivas aos ônibus, o desalinhamento das estações e o uso da integração modal que se refere à conexão entre meios de transporte. 

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Para Goura, uma cidade deve ser descentralizada. Créditos: Divulgação.

 

O uso do sistema Bus Rapid Transit (BRT), que realiza um serviço rápido e eficiente, em Curitiba se voltou apenas para as canaletas, que hoje são reconhecidas como uma estrutura excludente e ultrapassada. Além dessa falta de novos investimentos para a mobilidade, não se leva em conta a quantidade de mortes e atropelamentos que esse sistema traz. 

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“Não é natural termos ônibus que pesam toneladas andando a 60km/h com cruzamentos cheios de pedestres. Apesar da sua eficiência e da mobilidade, precisamos analisar se ele realmente é um sistema seguro para o entorno”, cita o deputado. 

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Para ele, a cidade parou no tempo, a falta de democracia dentro do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) e das gestões governamentais, tira a possibilidade da participação ativa das entidades, universidades, da comunidade, dos ativistas como um todo. 

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Segundo Goura, existe um corpo técnico na área de arquitetura e urbanismo, pensando nas universidades públicas e privadas, de extrema competência, mas que não encontra espaço para participar na gestão. 

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“Não é à toa que vamos ver, nesses últimos anos, o sistema de transporte público perdendo usuários e Curitiba se tornando uma capital mais motorizada. Temos um sistema que privilegia de forma absurda o lucro dos empresários em troca da segurança, conforto e acessibilidade aos usuários, isso ficou mais evidente durante a pandemia. Temos que pensar daqui para frente uma cidade que possibilite ao cidadão poder escolher qual transporte quer usar para ir ao trabalho naquele dia, a cidade deve oferecer todas as opções de deslocamento não uma apenas uma”, declara Goura 

 

No período pandêmico... 

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Cicloativismo é uma das bandeiras levantadas pelo deputado. Créditos: Divulgação.

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Para o deputado, não ocorreu um enfrentamento real da atual gestão da prefeitura a respeito da pandemia em aspectos de mobilidade. Enquanto outras cidades do mundo restringiram o transporte coletivo e aumentaram as opções de mobilidade ativa por meio do princípio de “se você precisa sair de casa, vá de bicicleta ou vá a pé”. Nesses lugares foram implementadas ciclovias temporárias, ciclofaixas emergenciais, e ainda foi ofertado o aumento na frota de ônibus com a fiscalização adequada, por exemplo. Curitiba, foi na contramão: a cidade optou pela redução no número de ônibus. 

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Segundo Goura, somente em outubro de 2020, quando a gestão municipal já estava em campanha, a prefeitura começou a disponibilizar álcool em gel nos terminais após várias cobranças. Se passaram quase sete meses de pandemia para a gestão assimilar que essa distribuição era uma das ações para diminuir o contágio. 

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Mas, para o deputado, existem muitos outros meios que podem ser aplicados para diminuir a contaminação por Covid-19: aumentar a frota de ônibus, fiscalizar o transporte coletivo, ampliar a oferta de mobilidade ativa, distribuição de máscaras adequadas à população. Contraditoriamente, a gestão atual faz parecer que correr atrás de gastos com UTI’S é mais barato e viável. O deputado observa que várias atitudes da prefeitura foram tomadas nos períodos das bandeiras mais restritivas a respeito do comércio, dos restaurantes e bares, mas o transporte coletivo foi totalmente negligenciado nessas fiscalizações.

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Tardiamente, em junho de 2021, os motoristas e cobradores foram vacinados. Goura ainda comenta que nós poderíamos estar presenciando uma transformação urbana muito mais eficaz, mas o transporte coletivo foi ignorado em Curitiba. “Estamos falando de inúmeros trabalhadores que não podem ficar em casa, que não têm a oferta de fazer home office, seria o momento de investir em transportes alternativos, ampliar o cadastro de vans, trazer o convênio com táxis e aplicativos de locomoção. Estamos lidando com um números de mortes comparativos a uma guerra. A frota de ônibus não foi aumentada, a qualidade do transporte não foi melhorada, e sequer o salário dos trabalhadores teve acréscimo durante esse colapso. A crise como ruptura é um momento para avançar em novos arranjos e avanços sociais”, comenta.

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Segundo o deputado, a atual gestão prioriza historicamente alguns setores e a infraestrutura de algumas regiões da cidade. A cada mês ocorre o aumento de pessoas em situação de rua, mas a prefeitura oferta um projeto de lei que multa aqueles que distribuem comida para essas pessoas. O tema central do urbanismo é a moradia, mas se presencia inúmeros problemas de ocupação e ao mesmo tempo inúmeros imóveis vazios ou abandonados. Áreas nas quais edifícios possuem cinco vagas na garagem para cada morador, e que logo em frente possuem eixos do transporte coletivo. Para Goura quem precisa do acesso aos ônibus não mora perto dessas regiões e leva mais para se deslocar até o trabalho.

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Os cidadãos poderiam estar aproveitando várias opções de gestão, governança, participação e transporte para se locomoverem, mas existe uma densa burocracia até para conseguir a informação do horário do ônibus ou onde colocar crédito para o cartão transporte. Tudo é fechado, hermético e quase crítico, segundo Goura. 

 

O deputado reforça que precisamos de outros modais para auxiliar o transporte coletivo.

 

“Deveríamos avançar uma rede de acessibilidade para toda cidade, investir pesado para que toda cidade seja caminhável e acessível, para que a experiência urbana seja outra, as pessoas precisam se dar conta que a cidade nos pertence”, conclui.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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UMA CIDADE EM MINUTOS​

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Texto: Kaila Cristina

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Professor e pesquisador de estudos urbanos no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana (PPGTU) da PUC-PR, Fábio Duarte possui uma profunda experiência na área de transporte e planejamento urbano. 

 

Em entrevista coletiva aos alunos de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Duarte fala sobre as dificuldades do transporte público brasileiro, e defende que o sistema necessita adotar um modelo mais efetivo. Para ele, a pandemia do coronavírus pode ser o pontapé inicial para essa grande mudança. 

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Pesquisa indica que número de usuários do transporte coletivo caiu durante a pandemia. Créditos: Bruna Durigan.

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O pesquisador afirma que o período pandêmico desencadeou dois movimentos contrários. O mais imediato foi o medo do contágio ao utilizar os transportes públicos, o que levou muitas pessoas a ficarem receosas e gerou queda de 3,7% no número de passageiros em todo Brasil, de acordo com levantamento feito pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). 

 

A queda mostrou que a pandemia de Covid-19 catalisou uma mudança que estava em curso há tempos: a queda persistente na demanda de passageiros do transporte. A pesquisa mostra também que entre 2013 e 2019 o número de usuários do transporte coletivo caiu 26,1% no Brasil. 

 

Segundo Duarte, a tendência é que, após a pandemia, grande parte das pessoas não retorne ao transporte público e optem por meios de locomoção alternativos. 

 

Em contrapartida, nesse período pandêmico, algumas cidades impulsionaram o transporte coletivo, abrindo faixas exclusivas para ônibus, limitando a quantidade de carros, e criando novas faixas para pedestres. 

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Para Fábio Duarte a cultura do carro representa uma solução a curto prazo. Créditos: Bruna Durigan.

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Para Duarte, o crescimento desenfreado de carros na cidade é um fator preocupante. 

 

“Não tem solução se não acabarmos com a cultura de adoração ao carro”, afirma o pesquisador. 

 

O veículo se tornou meta de consumo da maioria das pessoas, e a diminuição dos preços das versões populares impulsionou os números. Uma pesquisa realizada pelo G1, em 2014, mostrou que o Brasil possuía, na época, a média de um carro a cada quatro habitantes, e há indicadores de que o número tenha dobrado ao longo desses últimos anos.   

 

Para o pesquisador, a cultura do carro representa uma solução a curto prazo para a sociedade, mas não deve ser pensada dessa forma. Duarte ilustra a ideia com um acontecimento do início do século XX nas ruas de Chicago. 

 

Segundo o pesquisador, nesse período, foi feita a retirada de cerca de 12 mil carcaças de cavalos das ruas da cidade, a população pobre não tinha meios para contratar quem fizesse a remoção, e isso gerou um grande acúmulo de animais mortos por Chicago. O cenário proporcionou a proliferação de ratos e o surgimento de doenças, o que colocou a cidade em uma grave crise sanitária. Anos depois, em 1912, quando o carro chegou a cidade e se tornou a grande solução para a saúde pública, ninguém se atentou para as consequências que isso traria posteriormente.

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“Estamos vivendo uma imobilidade, entretanto, desenvolvemos soluções alternativas para problemas antigos. Não podemos voltar ao normal quando a situação se estabilizar, o futuro tem que ser algo diferente, caso contrário, nada valeu a pena. Precisamos parar de fazer as mesmas perguntas de 15 anos atrás” conclui o pesquisador. 

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QUATRO PROPOSTAS DE

GOURa nataraj

PARA O FUTURO DA MOBILIDADE URBANA EM CURITIBA

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TRÊS PROPOSTAS DE

Fábio Duarte

PARA O FUTURO DA MOBILIDADE URBANA EM CURITIBA

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UMA OUTRA PERSPECTIVA​

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Uma proposição efetiva é aquela que faz sentido para as pessoas que irão lidar cotidianamente com os efeitos daquela ação.

 

Confira relatos de pessoas que vivem as bênçãos e as maldições do sistema de mobilidade urbano de Curitiba diariamente.

A pandemia fez as pessoas questionarem atitudes e cuidados de muitas formas. Com esforço e autorreflexão é possível mudar hábitos e adaptar comportamentos, mas de que maneira podemos fazer isso quando o mundo ao redor não segue essa mesma evolução? Este é o obstáculo que muitos trabalhadores estão encontrando nesses tempos pandêmicos, principalmente aqueles que fazem seu deslocamento entre casa e trabalho com transporte coletivo.

 

Em março de 2020, prefeituras e institutos impuseram medidas de prevenção ao contágio de Covid-19, como fechamento de cinemas e baladas, estudos e trabalhos à distância, cancelamento de eventos entre outras iniciativas. Toda essa mudança no cenário urbano fez com que governos tomassem medidas em várias frentes. 

 

Um dos métodos mais recorrentes nessa luta foi a redução da frota de ônibus, teoricamente possível devido à diminuição da população passageira. Curitiba, por muito tempo, manteve seu movimento no transporte público com a tabela de sábado.

 

Do ponto de vista econômico, essa decisão parece simples: o movimento diminuiu, logo a frota em circulação deve ser reduzida. Mas existe outro ponto importante a se observar. Com uma breve caminhada pelo Terminal do Guadalupe, no centro de Curitiba, é fácil encontrar alguém que tenha utilizado o ônibus durante toda a pandemia e sentiu os efeitos danosos dessa decisão. A comunidade que já não costumava estar satisfeita com a qualidade do transporte e com o preço da passagem, teve também extrema dificuldade em se adaptar à pandemia e ao número menor de ônibus ofertados.

 

A parcela da população que não pôde trabalhar de casa e teve necessidade de se locomover pelo transporte público tem como crítica quase unânime a redução da frota. O pensamento é simples: o vírus é extremamente contagioso, então a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Prefeitura e a imprensa informam a importância de usar máscara e estar a 1,5 metro de distância dos outros para evitar a contaminação. Ao mesmo tempo, a quantidade de ônibus disponíveis diminui, dificultando o distanciamento. 

 

A reclamação geral entre os usuários do transporte coletivo é a quase impossibilidade de se manter seguro, tendo que andar com lotação, sem saber quando você pode ser contaminado. Em conclusão, o aspecto econômico é essencial, mas decisões assim devem sempre levar em conta a opinião das engrenagens que fazem essa economia funcionar.

Relatos sobre transporte coletivo no mundo pandêmico

Texto e vídeo: Rafael Schmeiske

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Diariamente 130,3 mil pessoas passam pelo Terminal Pinheirinho. Créditos: Maurilio Cheli/SMCS

Após iniciativa projeto de reivindicação por cartas a população do Rio Bonito começou a ver mudanças no bairro. Créditos: Everson Bressan/SMCS

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Um olhar para o maior terminal da cidade

Diariamente, 130,3 mil pessoas passam pelo Terminal do Pinheirinho, segundo dados da Urbs. Por conta desse número, é considerado o maior terminal de Curitiba. 

 

Localizado no bairro Capão Raso, ao sul da capital paranaense, o Terminal do Pinheirinho abriga um grande polo comercial, que é integrado ao transporte público. Os passageiros que usam as 40 linhas que passam pelo terminal podem incluir farmácias, sacolas de frutas e verduras e até lojas de instrumentos musicais na viagem cotidiana.

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Os moradores locais falam muito bem do terminal, uma vez que ele possui fácil acesso, tem muitas opções de ônibus e esses vão para vários bairros de Curitiba. Para os residentes da região, essa é uma das maiores vantagens que o terminal do Pinheirinho poderia ter.

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Usuários que utilizam o terminal ao menos duas vezes por semana, afirmam que por conta da pandemia do coronavírus a frota de ônibus está reduzida. A diminuição gera aglomeração no terminal, o que, segundo os usuários, é prejudicial, pois aumenta o risco de transmissão da Covid-19.

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Uma das maiores reclamações entre os frequentadores do Terminal do Pinheirinho é a falta de segurança após as 22h, pois é quando há menos pessoas no terminal e o risco de assaltos é maior.  

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A mobilidade urbana e comercial que o Terminal do Pinheirinho proporciona para os usuários é considerada uma “mão na roda”. “Quando estamos correndo e precisando de uma coisa importante o terminal oferece tudo isso. É algo muito benéfico”, afirma um deles.

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Um ponto que os usuários enfatizam é que o terminal sempre possuiu frota de ônibus suficientes e com tempo menor de espera, o que auxilia chegar em casa mais rápido e com segurança, por exemplo.

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Um pedido comum entre aqueles que utilizam o Terminal do Pinheirinho é que se aumentem as sinalizações para qual é o melhor acesso para cada bairro. 

Um exemplo de cidadania

O Rio Bonito é um exemplo de planejamento habitacional integrado ao desenvolvimento urbano e às políticas públicas do município, segundo a Prefeitura de Curitiba. O bairro cresceu mais de 30% nos últimos dois anos, de acordo com dados do Ippuc. Para isso, o envolvimento da comunidade foi fundamental.

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A Vila Rio Bonito já passou por sérios problemas de aspectos urbanos: falta de asfalto, mobilidade reduzida, falta de ônibus. Segundo os moradores, já ocorreram vários casos de assaltos e agressões a pessoas que estavam fazendo o percurso entre o ponto do ônibus e a própria casa.  

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Um projeto chamado “Uma Carta Para o Mundo” espalhou caixas pelos estabelecimentos do bairro Rio Bonito. Nelas as pessoas colocavam tudo o que queriam que as autoridades recebessem de reclamações, sugestões ou elogios sobre a comunidade. O objetivo era que essas demandas fossem colocadas em formatos de cartas que seriam entregues para as autoridades responsáveis e que pudessem fazer algo para ajudar a vila.  

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Após o sucesso da iniciativa a população começou a ver melhorias. 

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Textos: Ana Cristina Gomes Silva

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OS NÚMEROS TAMBÉM FALAM

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Além de passar pelos interesses daqueles que a usufruem diariamente, uma política pública eficiente inevitavelmente se fundamenta em dados e informações. 

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Uma pesquisa desenvolvida para esta reportagem aplicou um formulário, de resposta anônima, para 211 pessoas. Sendo 207 moradores de Curitiba ou Região Metropolitana, que responderam uma série de dez perguntas sobre a impressão que possuem do transporte coletivo da cidade. 

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Confira os resultados da pesquisa:

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